O Mecanismo é uma grande homenagem e defesa da Lava Jato
A Delegada Verena além de linda é implacável contra o crime
Já vou começar confessando que não gosto e evito ao máximo assistir filmes/séries brasileiros. Não tenho nenhuma vergonha disso e até acho estranho quem assiste filme brasileiro com a mesma naturalidade que assiste um filme argentino, francês, italiano, sul-coreano ou mesmo americano. E confesso que tenho ainda mais má vontade com o badalado José Padilha que fez aquele esquisito (não encontrei palavra melhor) Tropa de Elite, cuja a continuação eu nunca vou me arriscar a ver, e ainda dirigiu nos EUA um remake de Robocop que é uma bomba monstruosa.
A polarização
Mas falando sobre o tal Mecanismo da Netflix, deu muito o que falar quando estreou, os PTistas metendo o pau (como se alguém se importasse kkkk!), os anti-PTistas elogiando antes mesmo de assistir, e alguns que assistiram (em tempo recorde) reclamando dos diálogos (foi isso que me chamou a atenção) dizendo que os personagens só diziam clichês “isso é um câncer” ou até mesmo citando frase do Seu Madruga “a vingança nunca é plena, mata a alma e a envenena” etc…
Fui assistir a série e pelo que eu entendi, ela realmente tem uma dose grande de humor. Muitos dos que assistiram e reclamaram desses diálogos extremamente óbvios e algumas cenas de sexo nada a ver, talvez não tenham sacado isso. Ou tenham sacado e não tenham gostado porque são pessoas ranzinzas e sem nenhum senso de humor. Pode ser qualquer um dos dois casos. No segundo caso não tem salvação, porque gente chata pode mostrar a melhor comédia do mundo que elas não vão gostar. E no primeiro caso talvez isso se justifique pelo seguinte:
a série tem estas doses de humor porque os roteiristas e os diretores assim o quiseram, ou esse humor é involuntário?
Como o exemplo de Tommy Wiseau ao dirigir o seu The Room, achando que estava fazendo um grande drama e na verdade fez uma exótica comédia?
A sensação que eu tive assistindo O Mecanismo é de que não está claro se eles estavam tentando fazer uma série dramática ou se eles queriam tirar um sarro de quem esperava para ver uma coisa séria. Se eles queriam tirar um sarro com todo mundo, parabéns! Deram conta do recado. Agora se eles pensavam que sairia um drama fodão… bem, foi sorte que o erro não tenha estragado a série, e até ter sido a causa dela funcionar de alguma forma.
Mesmo com essa dúvida que a série me deu, não fui impedido de gostar dela. E sinceramente acho que não é motivo razoável para ninguém reclamar. Eu fiquei muito espantado com a série e comigo mesmo por ter gostado. Fui assistir com a expectativa no chão. E não, no meu caso isso não ajuda, porque sempre que começo a ver qualquer coisa com a expectativa baixa, normalmente eu não passo dos 20 primeiros minutos se não for surpreendido.
Selton Mello
O único filme que assisti do Selton Mello foi O Auto da Compadecida, que eu via com a minha avó quando era criança, mas aqui eu fiquei impressionado com ele. É muito difícil fazer um personagem como esse, muito depressivo e para baixo, sem ficar chato. E ele entrega um papel que você não quer que saia nunca da tela, e que a câmera fique nele durante todos os episódios. Isso não acontece, Selton não faz o verdadeiro protagonista embora seu papel seja muito importante na trama, mas nem por isso a série perde.
A protagonista interpretada pela Caroline Abras (que eu nunca ouvi falar na minha vida, mas tem um sorriso lindo) faz a, como meu editor chama, a “Delegata” da PF que dá o pontapé na operação. Sempre que ela está na cena faz você não se importar com o sumiço do Selton.
Vilões
Tem os vilões também, ou pelo menos os principais vilões da temporada, que são muito eficientes. Leonardo Medeiros que eu lembro fazia o papel de um prefeito corno em alguma novela da Globo, está muito mais legal aqui fazendo papel de um diretor da estatal que eles chamam de “Petrobrasil” ou algo assim. E um tal Enrique Díaz [Nota do editor: ele está ótimo como bicheiro na série Os filhos do Canraval, da HBO] que eu também nunca vi na vida mas tem uma bela presença como operador de dinheiro sujo.
E tem os políticos, que aparecem pouco e estão ok. Pelo menos nessa primeira temporada, eles não são muito importantes, vamos ver o que fazem na segunda.
“Janete”
A série, diferente do que a ex-presidente Dilma (Jante nas telas) pensa, não é uma adaptação literal do que aconteceu (e se fosse ela detestaria muito mais). Então eles se dão ao direito de uma liberdade artística que humaniza demais os personagens e tudo que envolve aquilo, e para mim é por causa disso que ela funciona como um belo elogio à verdadeira operação.
Tem um pessoal besta também que queria uma ópera policialesca que demonizasse o PT como ele realmente merece… gente, a implacável realidade do mundo graças a Deus não sofre dessa falta de imaginação. E sobre isso de “ah! A série não demoniza o PT como eles merecem, coloca o PT como só mais um partido…” então reclame com a Lava Jato da realidade. A Lava Jato sempre tratou o PT como mais um partido no meio do rolo. Isso é errado? Eu também acho que sim. Mas isso é um problema da realidade e não um problema da série que só está se inspirando nessa realidade.
Não façam como esquerdistas radicais que não desligam a cabeça da política nem mesmo para ver uma série na Netflix. Arte, mesmo que seja arte de passa tempo, é sempre mais importante e maior do que isso.